Ir de Cabeça
O texto que segue foi tirado do
site da Editora Desnivel, traduzi e adaptei ele para a nossa realidade (um
pouco diferente da escalada na Europa), por isso a tradução além de não ser
literal, contem comentários e conselhos pessoais.
Anualmente podemos fazer um balanço de como
foram nossas escaladas. Alguns terão realizado seus projetos, porem outros perceberão que seus objetivos eram muito grandes, por
isso não foram alcançados. Comprovando que as horas no muro de escalada ou nas
vias de campo escola, valeram pouco diante daquele 5+ vertical, protegido com um
velho grampo de 3/8 de 30 anos atrás. E as discussões porque alguém te
convenceu a ir naquela via que estava muito acima do seu nível, e você só
percebeu na hora, pois não conhece sua própria capacidade. O alto exame nem
sempre funciona bem, nem sempre prestamos a atenção necessária, gastamos nosso
tempo em questões superficiais (como conhecer os novos filmes de escalada, saber até
o ultimo detalhe da nova corda da Beal ou discutirmos até que nos dêem razão
sobre o grau de uma via), mas quase nunca nos questionamos que tipo de
escalador somos. Uma forma rápida de avaliarmos nosso perfil seria responder
honestamente questões tão praticas como:
1 – sou mais ou menos
capaz de alternar a guiada com meu companheiro, guiar a enfiada que me cabe sem
inventar desculpas, ou sempre dependo de alguém mais forte? Prefiro repetir
vias mais difíceis de segundo em vez de guiar vias mais acessíveis?
2 – tenho formação
suficiente para enfrentar de forma autônoma e responsável uma certa variedade
de problemas como: ficar perdido na parede, posso socorrer um companheiro
acidentado, retirada por mau tempo, bivac
imprevisto na parede, ou meu papel na cordada se limita a subir de segundo? No
caso de estar sempre participando sou consciente dessa limitação?
3 – tento fazer com que
os outros pensem que sou um escalador experiente, com bom nível, sem realmente
ser? Excedo-me tanto nas autocríticas que no final elas me afetam
negativamente? Tenho uma atitude muito exigente a respeito dos meus objetivos,
o que me leva a viver me arriscando, ou pelo contrario por conformismo estou sempre repetindo as mesmas vias?
4 – tomo iniciativa em
tarefas de como conseguir croqui, selecionar o material adequado, buscar
informações com quem já tenha repetido a via ou com o conquistador, ou deixo
tudo para meu parceiro fazer?
5 – me mostro corajoso,
prudente ou medroso quando em uma enfiada as proteções são mais distantes ou estão
muito deterioradas?
6 – tenho dificuldade
maior em determinados tipos de escalada (fendas frontais, diedros, aderência,
negativo, chaminé, artificial...) ou sou bom em diferentes tipos de escalada e rocha
(granito, gnaisse, calcário, arenito)?
7 – Escalo muito lento,
normal ou escalo rápido vias do meu grau basal?
8 – Escalo com
companheiros adequados e estou em sintonia com eles, ou é mais uma relação de
conveniência (mesmo objetivos, impossibilidade de escalar com outras pessoas
por causa dos horários, ou sempre busco quem vá às vias que me interessam)?
A
maioria dessas perguntas só se pode responder diante de um espelho imaginário,
que não admita constatações enganosas ou muito amáveis. Sempre podemos
potencializar nossas qualidades e trabalhar em nossos defeitos, sem deixar, no
entanto de escalar vias interessantes, mas para isso sinceridade e autocrítica
resultam imprescindíveis.
Metas de tempo
Em montanha matemática nem sempre funciona,
mas devemos sempre procurar estabelecer metas em função de quanto tempo levamos
para fazer uma via, em vias curtas isso pode não ser muito significativo, mas
na hora de enfrentar uma parede de 400, 800 metros isso vai fazer toda a
diferença. Metas de tempo são importantes, pois com elas podemos avaliar se
conseguiremos descer antes da noite ou não.
Se o tempo médio de aproximação da parede é
de 1h a 2hs, a descida pelo mesmo itinerário, levará 2/3 do tempo, estando em
boa forma física pode-se se descer na metade do tempo que se levou para subir.
A velocidade em vias
sem ou com poucas proteções fixas, (em que é necessário uso de proteção móvel),
de uma cordada com bons escaladores de mesmo nível, é por volta de 20 a 30
minutos por enfiada, isso numa via em livre, escalando a vista e abaixo do seu
nível, e de 45 minutos à 1 hora em enfiadas que estejam em nosso nível.
Escaladores muito bons ou quem escala vias muito fáceis conseguem fazer uma
enfiada em 10, 15 minutos (a cordada). Esses tempos não incluem as paradas de
descanso nas reuniões.
Na pratica uma cordada com o nível Maximo 5+,
6° pode estimar que para fazer uma via de 5°, com 8, 10 enfiadas vai levar
aproximadamente 4 à 5 horas, a mesma cordada deve levar umas 8 à 10 horas para
repetir a “Leste” do Pico Maior e umas 7 à 8 horas para fazer “A Soma de todos
os Medos” no Cantagalo.
“Recentemente ouvi um guia de escalada
comentar” que hoje em dia os escaladores iniciantes tem tanta informação que
crêem que sabem tudo, em muito pouco tempo compram vários guias de escalada, fazem
vários cursos, participado de ferrenhos debates em lista de escalada na
Internet, comprado as sapatilhas, costuras, cordas e moveis (que nem sabe
direito como usar) mais caros. Na hora de se aconselhar sobre as vias até
competem com escaladores mais experientes, entre
os quais se incluem aqueles que acham que não precisam reciclar seus
conhecimentos.
Devemos nos informar a respeito da
via que pretendemos fazer.
A) falando com alguém de
confiança que tenha repetido a via, mas cuidado com gente que tem mania de
diminuir o grau, ou pelo contrario, colocam sempre umas letrinhas a mais e se
impressionam com qualquer grampinho um pouco mais longe.
B) Adquirindo um guia
confiável (ou croqui) de preferência com uma foto mostrando o traçado da via.
C) Pesquisando em blogs e listas de discussão,
procurando dados que nos interessem. Mesmo com essas alternativas combinadas é
preciso experiência e consciência de suas capacidades como escalador.
Em algumas ocasiões a euforia, o desejo de
aparentar ser experiente, a falta de franqueza, o medo de aparentar ser mau escalador, informações passadas de má vontade pelo
conquistador ou por quem tenha repetido a via, guias com croquis mal feitos, podem ocasionar sérios problemas
na parede.
Problemas
Para as coisas começarem a correr mal na
parede basta que aconteçam alguns erros, os mais habituais que frequentemente
são detectados são:
1 - Escolher vias
longas, com lances de 5+ (por exemplo) quando nosso grau mais alto é um 6°,
então pensamos que vamos passar tranquilos em todos os lances, e que vamos
terminar a via com tempo de sobra, acontece que grau é subjetivo, e muitas vias
tem a graduação geral ou do crux graduada
para mais ou para menos, outro detalhe importante é o tipo de rocha (granito,
gnaisse, conglomerado, etc...) e o tipo de escalada (aderência, agarras, parede
vertical, fendas e diedros), e possíveis lances de artificial, muito comum em
vias maiores e em vias clássicas. Fazer uma via de 700 metros com lances de 4°,
5+ com alguém mal preparado pode levar a um bivac
indesejado na parede.
2 - confiar cegamente no
grau “oficial” de vias clássicas, as surpresas variam desde que o autor do
croqui tenha deixado de incluir algum antigo lance de artificial, que hoje em dia
quase todo mundo faz em livre (menos você), ou um lance mais exposto, proteções
naturais como: arvores, bico de pedra, podem não existir mais. Deve-se ficar
atento àquela via que ninguém repete a anos. É prudente escolher em vias
grandes, graus que estejam pelo menos uma ou duas letras abaixo do nosso nível
(escalo 7°, vou escolher uma via de grau Maximo 5+ ou 6°), outro fator
importante é a continuidade da dificuldade, pois se estou acostumado a guiar
vias de 7° de 2 ou 3 enfiadas (no qual predomina lances de 5° e 6°), mas entro
numa via de 6+ com varias enfiadas de 5+, 6°, posso não ter energia e resistência
para chegar ao fim dessa via.
3 - Se tem feito vias bem equipadas, a seqüência lógica é escolher vias bem protegidas de
varias enfiadas (ex: A Impermanência de Todas as Formas, no
Cantagalo Oeste em Petrópolis-RJ), depois vias com proteções mistas.
4 – Crer que toda
informação divulgada recentemente é de confiança e de qualidade. Uma via
conquistada a um ano ou menos pode muito bem ter sofrido modificações por parte
dos conquistadores, essas podem não ter sido divulgadas amplamente, alguma
modificação natural pode ter ocorrido, queda de platô de vegetação,
deslizamento de pedra. Outra consideração que se deve levar em conta é que em
muitos guias existem vias que o autor não repetiu, apenas copiou as informações
de arquivos e croquis antigos. O que leva a uma serie de erros, alguns nada
banais: como vias sub-graduadas, croquis e fotos com traçado errado, textos com
informações erradas, e até croqui faltando enfiada.
5 – É muito comum ainda
escalarmos com gente despreparada, amigos, namorada(o), gente com pouco
conhecimento ou mesmo conhecimento nenhum. Isso pode gerar riscos enormes,
mesmo em vias aparentemente fáceis.
6 – ainda é muito comum
vermos escaladores com mosquetão da solteira ou do freio abertos, outros
entrando em vias grandes (CERJ no Capacete ou Leste do Pico Maior), só de
camiseta e bermuda (quem não se lembra da famosa historia do Jamaica abaixo de
Zero?), devemos evitar complicar a vida por não conhecermos nossas limitações,
assim evitaremos ouvir gozações, passaremos menos perrengues, não correremos
riscos desnecessários e desfrutaremos melhor os momentos que passamos nas
montanhas.
Exemplos e Conselhos
Práticos
1 - Procurar fazer vias maiores e difíceis de rápido acesso ou mais
próximas a centros urbanos (as vias no Minotauro, Pedra do Pastor e Cantagalo Oeste em
Petrópolis são uma boa opção).
2 - Nos fins de semana com tempo bom é mais comum ficarem
massificadas as vias de acesso mais rápido e mais fáceis (Italianos e vias do
Babilônia), sendo maior o risco de queda de pedra ou de material, evite fazer
vias que tenha uma ou mais cordadas na parede, você vai ter que ficar
provavelmente muito tempo nas paradas esperando a outra cordada prosseguir.
3 – Se informe sobre o rappel,
nem sempre a via de subida é a mesma de descida, ou a melhor opção, as vezes
descer pela caminhada é mais rápido e mais seguro do que rapelar.
4 – consulte a meteorologia, mesmo que pretenda escalar próximo ou
mesmos nos centros urbanos. Procure sempre carregar uma lanterna (com pilhas carregadas),
mesmo que vá fazer vias pequenas, principalmente se for escalar a tarde.
5 – em escaladas clássicas, escaladas de parede, nunca deixe de
levar: agasalho, água suficiente (2 litros por pessoa), anorak, lanterna (olha ela ai de novo), comida (barras de
carboidrato, proteína e gels ocupam pouco espaço e na quantidade certa suprem
nossas necessidades energéticas). Se tem pouca experiência evite escalar no
verão vias grandes em móvel, nessas vias resulta imprescindível escalar rápido,
experiência na colocação das proteções moveis e estar acostumado a escalar com
proteção longe.
Algumas dicas para melhorar
as proteções ou a falta delas:
1 - Em grampos para fora, passe uma fita no tarugo (dando uma boca
de lobo) e costure nela, assim vai diminuir o momento fletor (alavanca), como
no caso de se costurar no olhal.
2 – Em vias com agarras grandes e bicos de pedra, é possível
colocar proteções extras passando uma fita ou cordelete em volta da agarra.
3 – Em caso de usar de proteção móvel, evite perder tempo colocando
proteção psicológica (aquela que com certeza vai soltar caso você caia),
perde-se tempo e muita energia, pra colocar uma proteção que não vai servir pra
nada.
4 – Use costuras longas, de 30cm, 60cm e tenha pelo menos umas duas
de 120cm, costuras pequenas (10 e 15cm) são para vias esportivas, na parede só
vai servir pra aumentar o atrito e deixar a enfiada mais difícil.
E lembre-se: o grampo longe não esta na parede, esta na nossa
cabeça!
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